PARTE 6
A vida de Sérgio Rascón Martínez no Pará, afastado de sua família original.
Sérgio Rascón Martínez
Um imigrante espanhol no Brasil
Sérgio Rascón Martínez. Nasceu em Tábara, província de Zamora, região de “Castela e Leão” (região), nordeste da Espanha, no dia 07 de outubro de 1887, às 10 h da noite. Imigrou duas vezes para o Brasil: em 1889 e 1899. Morou e estudou na Colônia Ferreira Pena. Não quis ir com a família para São Paulo, permanecendo no Pará onde gerou filhos, netos, bisnetos, etc. Foi o primeiro marido de Custódia de Freitas Nogueira, por união estável. Morreu em Mocajuba, Pará, Brasil, aos 73 anos de idade, no dia 04 de outubro de 1960, às 19h (L.5; F.56; Nº 106).
Pela primeira vez, veio com seus pais e irmãos para o Brasil, aos dois anos de idade, quando ainda mamava, no ano de 1889. Voltou com a família para a Espanha, e em viagens com a família, conheceu as províncias, cidades e a capital da Espanha, Madrid; conheceu algumas cidades da França e a capital Paris.
Dez anos depois, aos 11 anos de idade, em 1899, e com a família foi morar na Colônia Ferreira Pena, antiga Estrada de Ferro de Bragança, município de Santa Isabel, Pará, Brasil.
Em 15 de novembro de 1889, houve a Proclamação da República no Brasil.
Sérgio estudava, e não queria morar na colônia e a vida de colono no interior. Buscou estudar e trabalhar ao mesmo tempo em Belém, a fim de construir um futuro próspero. Sérgio era educado, fino, elegante, clássico, de regras de etiquetas, vegetariano, culto, muito sábio, gostava de comprar livros, ler, ser informado, de acompanhar notícias e era amante de músicas clássicas. Com a mania de comprar livros, formou uma biblioteca pessoal. Sua mente era como uma enciclopédia viva. Possuía livros das culturas e raças dos povos, pedras preciosas, elementos químicos, mapas e lugares. Era conhecedor da matemática, latim, poesia, geografia, história, astronomia, universo, os corpos celestes, biologia, cultura dos povos. Desde cedo, acompanha os fenômenos da natureza, os eclipses e as fases da lua. Não só isso, sua conversa era sobre o que conhecia. Ele repassava o conhecimento, e as pessoas diziam que ele era como um cientista. Em 1910 houve a histeria pela passagem do cometa Halley (Na madrugada do dia 18 para 19 de maio de 1910, o cometa Halley visitou mais uma vez a Terra). Sérgio acompanhava as notícias sobre o cometa, e acompanhou sua passagem pelo céu. E passou a vida falando deste cometa, e de sua nova passagem para o ano de 1986. Possuía um binóculo. Usava um binóculo para acompanhar os fenômenos da natureza, os movimentos das nuvens e das chuvas, prevendo o tempo. Quando ele morou na Ilha do Rufino, no Rio Tauaré, no município de Mocajuba, passou a vida fazendo o uso do binóculo na cabeceira do longo trapiche na frente de sua casa, observando o tempo e os fenômenos da natureza. Depois de sua morte, o binóculo pertenceu por muitos anos, na casa de seu filho Nereu, no lugar Tauaré, até o material ser arruinado por ferrugens. Ele possuía uma cadeira de descanso, a cadeira espreguiçadeira, artesanal, feita de madeira de lei Acapú, colocada na cabeceira do trapiche, de onde ficava observando a natureza e conversando com os visitantes.
Em Mocajuba, há uma desinformação entre ponte e trapiche, muitos pensam que ponte e trapiche são a mesma coisa, e tudo chamam de ponte. Ponte é uma construção que liga uma coisa à outra, uma ponte sobre um rio liga uma margem à outra. Trapiche é um cais, construção com uma cabeceira, que não liga nada a nada, destinada à atracação de barcos; embarcadouro, píer. Cais é um ponto de embarque e desembarque nos portos, cursos de água, estações de estrada de ferro.
Seu pai morreu quando ele tinha cerca de 18 anos de idade. Há uma informação que ele fez faculdade de direito, mas abondou o estudo por motivo de trabalho.
Depois da morte de seu pai, a família imigrou para São Paulo. Sua mãe decepcionou-se com a vida difícil no estado do Pará, onde tudo era rude, difícil, atrasado e sem futuro. Iludida com a promessa de vida melhor em São Paulo, conforme os outros colonos espanhóis divulgavam, reuniu e conduziu a família para partir para São Paulo. Mas, Sérgio não quis ir com a família para São Paulo, pelos seguintes motivos:
- Em São Paulo, os espanhóis continuariam como colonos trabalhando em fazenda de café e em outras agriculturas, e ele não queria ser colono e trabalhador de baixa renda, queria vida melhor.
- Ele já estava trabalhando em Belém, onde podia prosperar financeiramente, e um dia ter a realização profissional e patrimônios, longe da vida do campo.
Segundo as informações
passadas pelo próprio Sérgio ao seu filho Nereu Rascon de Freitas, na Colônia
Ferreira Pena não havia escolaridade avançada, e para ele continuar os estudos,
foi morar em Belém, na casa do seu primo Modesto, o alfaiate renomado, que
tinha uma alfaiaria na Travessa João Alfredo com
a Santo Antônio. Papai Nereu me pediu para eu ir a este endereço a saber que
ainda havia por ali alguma pessoa por nome Martínez e Rascón. Sérgio morou na casa do ex-governador José Paes de
Carvalho, onde também foi copeiro. Possivelmente o ofício como copeiro na casa
do ex-governador foi o seu primeiro trabalho, e o primeiro passo para a sua
independência financeira. Também morou na casa de uma senhora francesa rica que
chamavam só de “Madame”. Trabalhou como empregado num hotel francês,
possivelmente da família da “Madame”. Trabalhou em cassino, no Teatro da Paz e
no armazém Solheiro & Companhia. Seu último trabalho em Belém foi na
extinta loja armazém “Solheiro & Companhia” com o empresário do armazém.
Foi neste armazém que ele se tornou um comerciante “regatão”. Era uma loja do
grupo da “Casa Comercial Solheiro & Companhia”, da cidade de Melgaço, Pará,
da família do Hermenegildo José Solheiro.
Há uma mensagem de Sérgio Rascón Martínez, escrita à mão num papel avulso, solto, com linhas, que está comigo, falando de si mesmo, embora em poucas linhas, que diz:
“Vim para o Brasil em 1897 ou 98, como imigrante, no governo do Dr. Paes de Carvalho, com meus pais. Fomos colonos da Colônia Ferreira Pena, Estrada de Ferro. Em 1905 vim para o (rio) Tocantins. Em 1915, me estabeleci com comércio em Mocajuba. Hoje vivo de cacaueiros e seringueiras.
Sérgio Rascón Martínez.
Passaporte não tenho, ficou nas mãos de meus pais que não existem mais. Outros documentos entreguei quando requeri o primeiro Título de Eleitor”.
Governador José Paes de Carvalho trouxe da Espanha a Família Rascón Martínez para o Brasil, e a instalou na Colônia Ferreira Pena. Em seu governo idealizou e aprovou o símbolo do Escudo do Pará. Foto de 1899, ano em que a Família Rascón Martínez chegou ao Brasil pela segunda vez. José Paes de Carvalho, ou somente “Paes de Carvalho” como conhecido, governou o Pará nos anos 1897 a 1899. (“José Paes de Carvalho. Nascimento: 1850. Falecimento: 17/03/1943. Foi um médico e político brasileiro. Foi um dos fundadores do Clube Republicano do Pará. Médico humanitário, foi senador e segundo secretário da Assembleia Nacional Constituinte de 1890; depois, foi governador do Pará (1897 - 1899). Concorreu à vice-presidência da República nas eleições de 1894, derrotado pela chapa oficial de Manuel Vitorino, do Partido Republicano Federal”. Fonte: Wikipédia). |
Segundo João de Palma Muniz (1916), o núcleo da Colônia Ferreira pena passou a existir a partir de 09 de março de 1898.
Quando Sérgio diz: “Vim para o Brasil em 1897 ou 98”, comete um erro de informação. Se ele sempre repetia ao dizer que imigrou pela segunda vez, para Brasil, aos doze anos de idade, mas na verdade ainda estava com 11 anos. Se ele nasceu no dia 07 de outubro de 1887, somente em 1899 estava com onze anos de idade. Como também, a segunda via de sua Certidão de Nascimento só foi expedida na Espanha no dia 20 de fevereiro de 1899, no intuito de tirar o novo passaporte. O passaporte foi emitido em Porto, Portugal, no dia 06 de março de 1899. José Rascón Temprano recebeu e assinou a passagem no dia 7 de março de 1899. A passagem foi assinada e liberada pelo cônsul geral, já aceita e assinada por José Rascón Temprano, no dia 8 de março de 1899. Segundo o que consta nas caixas documentais de imigração espanhola no no Arquivo Público do Estado do Pará, muitas passagens e passaportes foram emitidos entre os dias 4 a 14 de março daquela ano, para o navio a vapor Beneditc, podendo ser possível que viagem teve início entre os dias 9 a 14 ou depois deste. A viagem demorava em média 15 a 20 ou 30 dias, logo, no fim de março ou início de abril de 1899, a Família Rascón Martínez já estava no Brasil na segunda imigração.
Quando Sérgio diz: “Fomos colonos da Colônia Ferreira Pena, Estrada de Ferro”, indica que ele também foi colono estabelecido na Colônia Ferreira Pena, morador naquela colônia, como filho de colonos. Como morador na colônia, e filho de colonos, não significa que ele trabalhou nas terras.
A Família Rascón Martínez imigrou para o Brasil em 1899, na segunda imigração, sob a influência do governador Paes de Carvalho, com passagem paga pelo governo. Ou seja, foi Paes de Carvalho que trouxe a Família Rascón Martínez para o Brasil, em 1899, e a instalou na Colônia Ferreira Pena, no mesmo ano.
Se em 1899, Sérgio tinha onze anos de idade, pela segunda vez no Brasil, e se diz colono junto a seus pais, e naquele mesmo ano foi o último da gestão do governador Paes de Carvalho, logo ele morou e trabalhou como copeiro na residência de Paes de Carvalho, depois que já não era o governador do Pará.
Possivelmente, o trabalho de copeiro da residência de Paes de Carvalho, onde morou, foi seu primeiro ofício em Belém.
O retrato clássico, de parede, de Sérgio Rascón Martínez, pintado em São Paulo.
Retrato de Sérgio Rascón Martínez, quando ele tinha 18 anos de idade e quando trabalhava num hotel francês em Belém. Uma fotografia foi tirada em Belém por um alemão, na Rua João Alfredo, 25, segundo andar, próximo a antiga loja Brasileira, na chapa Nº 8. Fotografia que foi reproduzida em São Paulo. Sérgio deu a original para a sua filha Tereza, quando este lhe visitou no Tauaré, após seu casamento, e infelizmente ela não teve zelo pelo objeto que foi danificado e se perdeu. Sérgio mandou seu filho Nereu procurar pelo alemão em Belém, a fim dele produzir uma nova cópia, mas o dito alemão já não mais trabalhava ali, e havia uma nova loja de fotografia no local de outros proprietários. Então permaneceu só este retrato da fotografia produzida em quadro.
O retrato original de Sérgio Rascón Martínez, estava sob a custódia do próprio Sérgio, em sua residência na cidade de Mocajuba e depois na Ilha do Rufino, no lugar Tauaré, no mesmo município, até sua morte, passando para a custódia de seu filho Nereu que, depois, levou o quadro para sua casa própria na cidade de Mocajuba, permanecendo na mesma casa até o dia em que foi levado de volta para a residência de Nereu, no mesmo terreno de Sérgio, depois da morte de Maria Marta, a esposa de Nereu. Nos últimos anos de vida de Nereu, antes de sua morte, o próprio Nereu passou a custódia do quadro para seu filho Nei Pereira de Freitas, já em estado crítico e manchado. O quadro passou por scanner, a fim de ser digitalizado e editado por Nautilho Pereira de Freitas, que enviou para toda a família, o retrato editado e restaurado, como cópia do original.
Isto é apenas uma pintura chamada “retrato” de Sérgio Rascón Martínez, com base na sua pessoa real quando ele tinha 18 anos de idade. Desde a Idade Média era clássico (chique) ter um “retrato” de uma pessoa em casa. Isto vem desde os reis e famílias nobres. Houve os tempos que só famílias ricas tinham retratos. Quando o retrato se popularizou, depois da chegada da câmera fotográfica, e da produção da fotografia, os chamados “retratistas” perderam valor, indo oferecer a reprodução de retratos nas casas. Então toda família pobre já podia encomendar e ter um retrato em casa. Muitos “retratistas” registravam fotografia de pessoas, que eram reveladas, e no atelier, produziam a pintura do retrato olhando para a fotografia da pessoa, a fim de aproximar bastante o retrato da pessoa real. E, quando entravam a arte aos compradores, não entregavam a fotografia, mas só a pintura.
Na década de 80 do século XX (1 de janeiro de 1901 - 31 de dezembro de 2000), algumas pessoas ainda mandaram fazer retrato. E assim terminou a história dos “retratos” em pintura clássica.
Princípio da profissão comercial de Sérgio.
Se Sérgio nasceu em 07 de outubro de 1887, logo em outubro de 1905 completou 18 anos de idade, e no mesmo ano, possivelmente no dia 27 de novembro de 1905, ocorreu a morte de seu pai José Rascón Temprano, quando ele ainda estava com 18 anos de idade. Não existe prova da data da dita morte.
Em Belém Sérgio trabalhava na extinta loja armazém “Solheiro & Companhia” com o empresário do armazém. Foi neste armazém que ele se tornou um comerciante “regatão”. Era uma loja do grupo da “Casa Comercial Solheiro & Companhia”, da cidade de Melgaço, Pará, da família do Hermenegildo José Solheiro. As informações abaixo citarão o termo “regatão”, logo é preciso saber o que significa regatão no sentido universal e no sentido regional da Amazônia Brasileira:
Regatão: Adjetivo: Que regateia no preço, que insiste para
obter um preço melhor ou mais baixo. / Substantivo masculino: Aquele
que compra por atacado para vender a retalho, no varejo. / REGIONALISMO
NO AMAZONAS: COMERCIANTE QUE VENDE SEUS PRODUTOS NUM BARCO E PARA
EM VÁRIOS MUNICÍPIOS OU LUGARES PARA CONCRETIZAR SUAS VENDAS.
SOLHEIRO,
Manuel José (*). Filho de Hermenegildo Solheiro, emigrante no Brasil, e de
Adelaide Joaquina Alves. N.p. de António Bernardo Solheiro e de Maria Joaquina
Ribeiro; n.m. de Domingos José Alves e de Maria Caetana Gaioso, moradores na
Vila de Melgaço. Nasceu em Galvão a 12/7/1877 (confrontar a data de nascimento
de sua irmã, Ermezenda) e foi batizado a 17 desse mês e ano. Padrinhos: Manuel
de Jesus Puga e José Cândido Gomes de Albreu, solteiros, comerciantes. //
Depois da instrução primária foi arranjar emprego no Porto na área do comércio.
// Embarcou para Pará por volta de 1893; no Brasil trabalhou na firma Solheiro
& Mota, passando depois a ser sócio da mesma, agora com a designação de
Solheiro & C.ª. // Nos inícios de 1916 as firmas comerciais com sede em
Pará, Solheiro & C.ª ´e Silva & Loureiro´compostas exclusivamente de
melgacenses, adquiriram por compra, do [ou ao] Banco de Crédito Popular, o
vapor São Pedro´destinado à navegação fluvial das Ilhas, a serviço das suas
casas aviadoras e de outras que quisessem utilizar o paquete; a inauguração da
nova linha teve lugar a 24/1/1916 à noite. // Casou civilmente, na
administração do concelho, a 10/7/1912, com Amália Augusta, filha dos
proprietários da Farmácia Araújo´Domingos Ferreira de Araujo e Amália Correia
dos Santos; casaram na igreja de Prado a 11/7/1912. Padrinhos no civil: Júlia Correia
dos Santos e Dr. Vitoriano Figueiredo e Castro (noiva); Leolinda Solheiro e
Cícero Cândido Solheiro (noivo). No religioso: Amália Ferreira de Araújo e
Domingos Ferreira de Araújo (noiva); Sara Solheiro de Oliveira e Hermenegildo
José Solheiro (noivo). // Seguiram ambos para o Brasil, chegando a Pará a
10/10/1912, onde ele era comerciante, com a firma Solheiro & Companhia´ No
dia 3/12/1914 chegaram a Lisboa vindos do Brasil . // A 28/1/1915 a sua esposa
deu à luz um nado-morto, o qual foi sepultado no cemitério da Vila; morava no
lugar da Serra, Prado. // Em 1916 regressa a Melgaço. // Embarca novamente para
Pará a 20/1/1917, chegando ao destino a 11/2/1917. // Ele faleceu em Pará,
Brasil, em Fevereiro de 1926. // A sua viúva finou-se em São Paio dos Arcos de
Valdevez a 12/7/1969. // Pai de Luís Manuel e de Vasco. // Nota: fora ele quem
mandara construir a casa e plantar a vinha junto ao posto da Guarda-Fiscal de
Mourentão. /// (*) O Dr. Augusto César Esteves chama-lhe José Manuel e diz que
nasceu a 30/5/1877; a sua irmã Ermezenda teria nascido, segundo ele, a
11/6/1877. Seria, portanto, gémeo de Ermezenda, mas com uma diferença de dez
dias!
(Correio
de Melgaço n.º 188, de 27/2/1916),
(Correio de Melgaço n.º 6),
(Correio de Melgaço n.º 19, de 13/10/1912), (Correio de Melgaço n.º 128,
de 8/12/1914), (Correio de Melgaço n.º
135, de 2/2/1915), (Correio de Melgaço
n.º 194, de 9/4/1916), (Correio de
Melgaço n.º 237, de 18/2/1917), O Meu Livro das Gerações Melgacenses´ II
volume, p.p. 205 e 206).
O “Clico da borracha da Amazônia” ocorreu entre os anos 1880 a 1910 ou 1879 a 1912. A borracha extraída das seringueiras (látex) ainda tinha alto valor e rendia muito lucro financeiro, levando a cobiça dos empresários de Belém a irem para as colônias de seringais e cacauais da Amazônia atrás da exploração, cultivo, compra e venda da borracha (látex), sementes de cacau, madeira, castanha do Pará e outros produtos da terra. Os comerciantes de Belém mandavam seus empregados homens a navegarem, como vendedores regatões, pelos rios e ilhas da Amazônia, vendendo mercadorias em varejo e atacados. Este serviço de comercialização era um modo de vender as mercadorias dos estoques, desocupar e renovar os estoques das mercadorias, crescimento comercial lucro e concorrência acirrada com outros comerciantes. Era preciso concorrer e vender.
No Pará, o Rio Tocantins foi explorado em suas margens por comerciantes e colonos de muitas nacionalidades estrangeiras. Em Mocajuba, especificamente nas regiões do Tauaré, Tauarezinho e Tauaré Grande, estabeleceram-se comerciantes espanhóis, portugueses, turcos, alemãs, etc. Ainda ocorria o processo da colonização da Amazônia e do Brasil. Em Mocajuba, na região Tauaré, o lugar recebeu colonos entres os anos de 1898 e 1899, quando o governador do Pará, José Paes de Carvalho, introduzia colonos europeus, turcos e judeus pelas regiões e distritos do Pará. Então, mais tarde, quando Sérgio chegou naquela região, tudo estava civilizado e aberto ao comércio.
Esta foi a vida de Sérgio como regatão: Sérgio Rascón Martínez passou a navegar pelos rios Amazônicos a serviço do empresário do armazém “Solheiro & Companhia” na qualidade de regatão e mercador, pois também comprava os produtos da terra para revender. (Mercador é: 1. Que ou quem compra para revender. 2. Que ou quem é negociante de panos). A borracha era comprada para a revenda. No barco comercial, e como regatão, Sérgio vendia mercadorias em atacado e varejo nas cidades, vilas, povoados e sítios por onde passava navegando nas margens da terra firme e nas ilhas. Vendia-se de tudo, como: alimentos, enlatados, azeite de oliva, vinagre, variedades de doces, variedades de biscoitos, bolachas, cigarro, bebida, combustíveis, fósforo, sal, açúcar, remédios para todos os efeitos, veneno, cal, tinta, armas de caça, materiais para caça e pesca, arpão zagaia, variedades de arpões, escova de lavar roupas, escovão, bijuteria, diadema, chapéu, ralador de alimento, ferro de passar roupa, fechaduras, ferrolho, dobradiças para portas e janelas, cadeado, materiais para calhas em telhado das residências, crivo, forno, fogão, “boca de fogão” a carvão, grelhas para assar alimentos, alguidar, enxada, facão, chumbo, foice, pote, jarro, lampião, lamparina, lanterna, rádio, pilhas para lanternas e rádio, funil, moinho, alicate, serrote, serradeira, forja, martelo, marreta, prego, parafuso, materiais de carpintaria, chave de fenda, luvas, botas de trabalho, ancinhos, vassoura, artigos de decoração, máquina de costura, agulha, roupas, botão para roupas, botão colchete e rendas para roupas, sandálias, calçados para homem e mulher, meias, gravata, terno, cinturão, toalha, lençol, manta, cobertor, mosquiteiro, rede para dormir, corda, variedades de fios e de fitas, arame, tacho, relógio, bacia, penico, panela, tigela, prato, talheres, taça, copo, xícara, vaso, ânfora, roupas, pano para fazer roupas, lâmina, barbeador, tesoura, faca, canivete, espelho, esmalte, matérias de maquiagem, pente, creme dental, cremes e óleo para cabelo (inclusive vaselina, óleo de mutamba e outras pomadas e óleos), perfume, sabão, óleo de cozinha, livros, revistas, jornais, régua, lápis, caneta de escrever, materiais escolares, cadernos, folha de papel, variedades de papel para escrever e para embrulhos, sacos, sacolas, bolsas, malas, brinquedos, etc. Sérgio abastecia os comércios ribeirinhos com as mercadorias vindas de Belém. Como também, havia as “encomendas” feitas pelos “fregueses” aos regatões. Também havia os artigos religiosos como bíblia, livros, quadros e imagens de santos, crucifixo e terços oferecidos pelos regatões. Os “fregueses” avulsos e os comerciantes ribeirinhos ‘encomendavam’ as mercadorias aos regatões, para levarem a eles na próxima viagem vinda de Belém. Era um tipo de “correio” comercial. Havia muita reponsabilidade da parte dos regatões, eles levaram fielmente mercadoria solicitada pelos fregueses. Os regatões também iludiam os fregueses ribeirinhos com as novidades de produtos vindos de São Paulo e da Europa, as mercadorias como a “novidade do momento” eram compradas.
Sérgio se encantou com os rios da Amazônia no Estado do Pará, e começou a juntar muito dinheiro com a venda das mercadorias, abastecendo cidades, vilas, povoados, comércios, famílias e sítios situados às margens dos rios. Segundo a uma informação, foi isto a principal causa que o levou a abandonar os estudos na faculdade.
XXX
Anexo
Este anexo não faz parte da história da família, só é colocado no blog como fonte de pesquisa
Casa Comercial Solheiro & Companhia
“UM HOMEM DE CARÁTER
(Um perfeito cavalheiro)
quinta-feira, 14 de novembro de 2019
Por Joaquim A. Rocha
SOLHEIRO, Hermenegildo José. Filho de Hermenegildo Solheiro e de Adelaide Joaquina Alves. Neto paterno de António Bernardo Solheiro e de Maria Joaquina Ribeiro; neto materno de Domingos José Alves, ferreiro, e de Maria Caetana Gaioso, moradores na Calçada. Nasceu na Vila a 19/4/1868 e foi batizado a 26 desse mês e ano. Padrinhos: Manuel José Esteves “Melgaço”, casado, do lugar de Eiró, Rouças, e tocou por madrinha José Manuel Nunes de Almeida, solteiro, morador na Vila. // Aos catorze anos de idade (1882) embarcou para o Brasil, para junto de seu pai, negociante nessa parte do planeta. Nunca esqueceu Melgaço. Logo que podia visitava a sua terra natal. A 22/4/1900 cá estava ele. Regressou ao Brasil, mas em 1907 voltava, em companhia de Artur Pires Teixeira. Numa dessas visitas conheceu a sua futura esposa. // Morava em Prado, era solteiro, proprietário, quando casou na igreja de SMP a 17/9/1906 com Maria Leonor, de vinte e dois anos de idade, nascida em Miragaia, Porto, a 17/9/1884, filha de Manuel José da Mota, industrial portuense, e de Maria das Dores Gonçalves, neta materna de Manuel Caetano Gonçalves e de Marcelina da Glória da Rocha, e irmã de Julieta La Salete da Mota, casada com o Dr. Henrique Pinto Albuquerque Stockler. // A 9/6/1912, juntamente com seu cunhado, António Francisco de Oliveira, e outros, fundou o jornal “Correio de Melgaço”, que termina no número 251, de 27/5/1917, e do qual foi proprietário e diretor. // Em 1913, aquando do recenseamento eleitoral, foi excluído, não podendo votar, devido a uma reclamação feita por António Evangelista Pereira. O visado recorreu para o tribunal superior, o qual considerou ter havido lapso, considerando-o apto a votar (Correio de Melgaço n.º 68, de 28/9/1913). Logo a seguir encabeça a lista de candidatos à Câmara (Correio de Melgaço n.º 76, de 23/11/1913). // A 6/2/1914 embarca no vapor Hilary com destino a Pará (Correio de Melgaço n.º 85, de 1/2/1914). // Nesse ano de 1914 foi eleito, por grande maioria dos votos, para o Conselho Fiscal da Companhia de Seguros Lloyd Paraense (Correio de Melgaço n.º 104, de 23/6/1914). // Em 1915 pertencia ao Conselho Fiscal da firma B. Antunes & C.ª - Companhia Aviadora da Amazónia (Correio de Melgaço n.º 175, de 21/11/1915). // Chegou a Lisboa, vindo de Pará, a 30/4/1916. // Entre os anos de 1915 e 1919 mandou erguer, nos Esparizes, Galvão, uma linda vivenda, mais tarde conhecida por “Vila Solheiro”, que ainda no século XXI se pode admirar. // Deu um salto a Portugal em Abril de 1916 (CM 196, de 23/4/1916); chegou à Barronda, Prado, a 20/5/1916, sábado; de Lisboa vinha acompanhado pela mãe, pela esposa, e filhos – Marieta e Hermenegildo. Parte novamente para Belém de Pará a 17 de Julho desse ano; chega ao Brasil com a esposa e filhos a 3/8/1916 (ver CM 207, de 16/7/1916, e CM 210). Logo a seguir toma conta da gerência do “Lloyd Paraense”; e por impedimento de António Alves da Silva é ele nomeado diretor do Banco de Crédito Popular (Correio de Melgaço n.º 220, de 15/10/1916). // Em 1922 estava em Melgaço, pois nesse ano, a 20 de Janeiro, foi padrinho de Maria de Lurdes Silva, nascida em Galvão de Baixo a 12/10/1921. // A 21/2/1926, com Ernesto Viriato Ferreira da Silva, Dr. José Joaquim Durães e professor Abel Nogueira Dantas, lançou o semanário político e noticioso “Melgacense”. Ferreira da Silva era o diretor, Nogueira Dantas o editor, ele o redator. Durou até 1929 (surgindo nesse ano o “Notícias de Melgaço” - 2.ª versão). // Foi provedor da SCMM a partir de 1927 (nesse ano fez aprovar os seus estatutos, os quais vigoraram até 1981!) // Foi administrador do concelho e presidente da Comissão Administrativa (equivalente a presidente da Câmara) entre 1926 e 1931. Nesse período construiu-se o Mercado Municipal, o edifício dos Paços do Concelho, repavimentaram-se as Ruas da Calçada e do Rio do Porto, deu-se início à eletrificação da Vila. Tentou concretizar o projeto da construção da Avenida (Alameda Inês Negra) mas a vida não lhe deu mais tempo. Lutou pela vinda do comboio até Melgaço, mas nada conseguiu. // Não era pessoa de meias medidas: em 1929, juntamente com os outros membros da Comissão Administrativa da CMM, padre Artur da Ascensão Almeida, Hilário Alves Gonçalves e José Caetano Gomes, obrigou o editor do “Notícias de Melgaço” a divulgar o autor de um artigo, designado “Por Melgaço”, publicado nesse jornal a 21/4/1929, o qual punha em causa, segundo a Comissão, algumas medidas tomadas por esta. O autor da “local” era o médico Dr. António Cândido Esteves, irmão do Dr. Augusto César Esteves, republicanos convictos. O clínico deu a cara, declarando que não era sua intenção melindrar ninguém, apenas quis chamar a atenção dos leitores para alguns atos da administração, sobretudo aqueles que diziam respeito a gastos com viagens dos membros da dita Comissão, concretamente a Sevilha, cuja Exposição nada tinha a ver com os interesses de Melgaço. A resposta tem a data de 27/5/1929. Não sei como as coisas ficaram, só sei que o médico Dr. Esteves fez parte da lista negra do designado Estado Novo, embora a sua hostilidade fosse pacífica. // Hermenegildo José Solheiro morreu em Galvão a 21/8/1931, sexta-feira; os seus restos mortais jazem no cemitério municipal de Melgaço. // Alguém escreveu depois da sua morte: “era, como se costuma dizer, o homem certo no lugar certo; era, sobretudo, um sólido carácter e o expoente máximo da correcção e honestidade”.
Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 122, de 23/8/1931: “Morreu Hermenegildo Solheiro. Embora soubéssemos que há oito dias as parcas andavam dançando em torno dos fios da sua existência e que sob o seu nome no livro dos vivos jazia uma esponja sempre pronta para o apagar, longe de nós esvoaçava o pensamento do seu tão rápido desenlace. // A triste notícia, correndo veloz às primeiras horas de sexta-feira, deixou-nos surpreso, dolorosamente emocionado. Ainda na véspera o tínhamos visto a caminho dos Paços do Concelho, sorridente, sonhando, talvez, com um Melgaço maior, passeou nas ruas da nossa Vila e ninguém viu nele o homem, cansado pelos anos ou abatido pelos desgostos, que andasse dizendo o eterno adeus à sua terra ou dirigindo as últimas saudações aos seus amigos. // O seu ânimo viril enganou-o, decerto, quando mediu as suas forças físicas, porque não meteu (*) em linha de conta as energias desbaratadas em uma tenaz luta pela existência na cidade do Pará, e o seu arcaboiço rijo ludribiou também os nossos olhos, porque ninguém se lembrou que os fortes baqueiam, como os fracos, quando a morte surge. // H.S. morreu! Perante o seu falecimento curvem-se os melgacenses, agora, porque perante a majestade da morte a ninguém fica mal manifestar respeito. // Provedor da SCMM, Administrador e Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Melgaço durante o último período político (**), H.S. deixa uma obra que a História há-de classificar serena e imparcialmente (***). Mas seja qual for o veredictum do futuro, o concelho deve reconhecer H.S. como um melgacense que dedicou os últimos anos da sua vida ao engrandecimento da sua [e nossa] terra. // É cedo, sem dúvida, para se fazer a história política dos últimos anos, porque as paixões ainda se entrechocam e os ódios refervem (****); mas quando aquelas acalmarem e estes arrefecerem, quando a paz voltar aos espíritos e o bom senso de novo os iluminar, talvez todos reconheçamos que H.S. combateu por um Melgaço maior, sacrificando-se pelo seu engrandecimento e, quiçá, por causa deste abreviou os últimos dias da sua vida. // Conforme tinha sido marcado, chegou às dez horas o Excelentíssimo Senhor Governador Civil do distrito, acompanhado dos Excelentíssimos Senhores major António Ramos e capitão Licínio Presa. À entrada na câmara funerária havia olhos marejados de lágrimas na vasta assistência e aos ilustres recém-chegados, comovidos, viu-se-lhes borbulhar nos olhos as lágrimas sentidas da perda irreparável. De seguida organizou-se o funeral, com um acompanhamento numerosíssimo, dia pardo e de neblina – que, como crepes, rodeava a Vila enlutada, e uma chuva miudinha caía, chorando por ele, e representando-nos a todos. Até a atmosfera estava triste, pesada – bem a par de todos os corações a repercutir-se toda no sentimento geral. Agora, na carreta dos nossos bombeiros, que o acompanharam na sua máxima força, segue o cortejo fúnebre ao som de uma marcha que contagia e faz vibrar tristemente a sensibilidade. A chave da urna é conduzida por Sua Excelência, o Senhor Governador Civil. Foram organizados, até à igreja matriz da Vila, os seguintes turnos: 1.º - major Dr. António Ramos, capitão Licínio Presa, capitão Luís Augusto de Carvalho, alferes Manuel Joaquim. // 2.º - Conselheiro Dr. Manuel Fernandes Pinto, Dr. Augusto César Ribeiro Lima, Dr. Sérgio Saavedra, Frederico Augusto dos Santos Lima, João Pires Teixeira, João Barros Durães. // 3.º - Dr. José Joaquim da Rocha, João Eugénio da Costa Lucena, José Caetano Gomes, José Luís Lopes, António José de Barros, Bento Fernandes Pinto. // 4.º - Francisco A. Guimarães, António Joaquim de Sousa, Mário Ranhada, Gaspar de Figueiredo, Raul Vilarinho, António Rocha. // E da igreja para o cemitério: 1.º - capitão Augusto de Carvalho, alferes Manuel Joaquim, João Lucena, Luís Manuel de Vasconcelos. // 2.º - Sargento Eleutério P. Mendonça, Cândido Augusto Esteves, Hilário Alves Gonçalves, José Maria Pereira. // 3.º - Angel Valverde, Jesus Valverde, José Reina, Manuel Gonçalves da Costa. // 4.º - Ricardo Cordeiro Junior, António Mendes, Domingos Alves Silva, António José Alves. // Os senhores Dr. Henrique Fernandes Pinto, residente em Lisboa, e Eng.º Júlio José de Brito, do Porto, fizeram-se representar pelo senhor Duarte de Magalhães, e o senhor António José de Pinho, presidente da Câmara Municipal de Monção, pelo senhor Dr. Augusto Lima. À missa e ofício de corpo presente assistiram catorze eclesiásticos, os quais se encorporaram também no funeral. A ornamentação da igreja, a cargo do senhor Aurélio de Azevedo, nada deixou a desejar. Sobre o féretro, coberto com o estandarte da Câmara Municipal de Melgaço, foram depostas muitas coroas e bouquês, oferecidas pela família do ilustre extinto e de pessoas das suas relações e amizade. Desde que foi conhecida a sua morte, o comércio da Vila e de Prado, em sinal de sentimento, ficaram com meias portas abertas e à passagem do funeral encerraram totalmente. Nos edifícios públicos viu-se a bandeira nacional a meia adriça. // Nesta hora de profundo luto para todo o concelho o Notícias de Melgaço apresenta à ilustre família do finado a expressão bem sincera e muito sentida da sua condolência.”
(*) /// Leia-se: “porque não teve, ou levou, em linha de conta...” /// (**) Foi presidente da Comissão Administrativa da CMM, de 1926 (após a queda da I República) até à sua morte, em Agosto de 1931. /// (***) Fez muito, comparando com o que outros antes dele fizeram, e sem dinheiro nos cofres da Câmara; no entanto, pouco deixou feito, tendo em conta o muito que havia para fazer. Quando aconteceu o 25 de Abril de 1974, Melgaço podia considerar-se uma vila medieval: ruas sujas, empedradas, várias casas em ruínas, pouca gente, muita pobreza, analfabetismo, etc. Felizmente surgiu em cena o seu neto, Rui Solheiro, que – embora muito criticado pela oposição – continuou a obra de seu avô paterno. /// (****) Não nos esqueçamos que ele, ao aceitar aquele cargo político, acabou por se tornar inimigo declarado dos republicanos da 1.ª República.
Escreveu J. Ribeiro no Notícias de Melgaço n.º 122, de 23/8/1931 (Prado, 23/8/1931): “Melgaço está de luto! O principal baluarte da sua fortaleza financial ruiu por terra ao sopro devastador da morte. Todos os melgacenses cobrem crepes nesta ocasião, pois um filho da terra de Melgaço tombou sob a fria lousa do sepulcro: Hermenegildo Solheiro. Querido ente melgacense: adeus! // Quem não admira a obra financial deste verdadeiro homem público? Quem, conhecendo de perto o seu amor acrisolado pela sua terra natal lhe regateará os méritos a que fez jus? Ninguém; posso afirmá-lo sem pejo. Desde que, em terras de Santa Cruz, começou a exercer a sua atividade como verdadeiro financeiro, já como diretor do Banco de Crédito Popular no Pará, já como diretor da Companhia de Seguros Lloyd Paraense, já como chefe gerente da Casa Comercial Solheiro & Companhia, era de prever que ao tomar conta do espinhoso cargo de administrador do erário público de Melgaço se havia de impor pelo engrandecimento desta terra que lhe serviu de berço, pois amava a sua terra como um filho ama a sua mãe. // Tudo revela bairrismo em Hermenegildo Solheiro. Não é preciso enumerar os seus serviços pelo engrandecimento da sua terra durante a sua gestão governamental. São coisas palpáveis que o afirmam e que ficam legadas às gerações vindouras como relíquias do passado, engrandecimento cada vez maior do nome do seu augusto filho. // Melgaço está de luto, digo eu, pois o coração de todo o melgacense que se preze deve estar altamente sensibilizado com o prejuízo que acaba de sofrer. // A obra iniciada por Hermenegil Solheiro deve ter um continuador e Deus queira que com qualidades bairristas e elevadas como as do que hoje todo Melgaço pranteia. A política posta de parte, o amor concentrado por esta terra que principiou, embora tarde, a entrar na senda do progresso, são os principais factores para a realização do ressurgimento regional de Melgaço. Assim eu cheguei a compreender o gigante que caiu! // Assim é que devem ser os continuadores da sua obra. // Uma prece a Deus pela sua alma! Uma recordação constante dos seus feitos é a que todo o filho de Melgaço deve sentir para maior engrandecimento dos seus méritos, perante Deus e perante os homens”.
Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 123, de 6/9/1931: “Das poucas vezes que leio jornais diários apresso-me sempre a ver se encontro notícias da minha terra. Em correspondência de Melgaço, o Comércio do Porto, de 22, transmitia a todos os meus patrícios, ausentes em terras estranhas, a triste notícia do falecimento, no dia 21, do conterrâneo ilustre, que em vida se chamou HJS. // A morte, em sua garra adunca, acaba de levar para o além a alma daquele que entranhadamente amava a sua terra natal. Esta compungidora notícia veio enlutar o meu coração de melgacense, porque a esta hora também se encontra de luto a terra que me viu nascer. Os crepes lutuosos da tristeza adejam por sobre as rotas muralhas do velho burgo, que o pulso férreo do que agora jaz por terra, se a morte o não prosta, teria conseguido fazer (do mesmo) uma terra progressiva e uma das mais encantadoras do nosso Minho. // A obra de embelezamento de Melgaço, começada por HJS, sobre o impulso da sua vontade, seria grandiosa (*), se a morte, com o seu brusco repelão, a não vem interromper. // Fica órfã, e eternamente vaga, a sua cadeira no município de Melgaço, porque homens da envergadura de HS são, nos tempos que correm, de um egoísmo utilitário como os meteoros que só de séculos a séculos passam por sobre a terra, deixando da sua passagem um rasto de luz, que o tempo apaga, mas de quem a recordação fica a perpetuar-lhe a memória. // Eu, como melgacense, que ama enternecidamente a sua terra, daqui, deste cantinho que se debruça sobre as águas do Lethes, ou Lima, rio saudoso, que foi cantado por Bernardes e Feijó, associo-me à dor que o povo da minha terra neste transe amargurado sente pela perda irreparável do eminente cidadão que tão devotadamente se empenhava pelo seu caminhar progressivo. // Que a terra-mãe o receba amorosamente em seu seio; e que as lágrimas de saudade de todo o povo do concelho lhe vão orvalhar a sepultura com o pranto da sua gratidão; gratidão bem merecida, por aquele que somente mantinha a ambição de fazer alguma coisa verdadeiramente grande e que deixa uma lacuna, que não sei quando se preencherá. // Terra minha, querida, por que desejas guardar em teu seio um corpo, que continha em si os mais amplos projetos do teu embelezamento? // Guarda-o com os (…) afetos que ele te tributava e que os vindouros lhe reverenciem a sua memória, digna da vossa eterna gratidão”. L. A. Rodrigues. Ponte de Lima, 22/8/1931.
No dito jornal, Noticias de Melgaço n.º 123, lê-se: “Para presidir aos destinos do nosso município foi escolhido o nosso estimado amigo senhor João de Barros Durães, farmacêutico pela Universidade de Coimbra. // Acertada escolha, tanto mais que o recém-nomeado, privando de perto com o saudoso HS, sabia bem o programa traçado para o engrandecimento de Melgaço. Parabéns aos melgacenses.
“HJS – Missa do 30.º dia – Convite. A CMM convida todas as pessoas a assistir a uma missa que, no dia 21 do corrente, pelas nove horas, mandará rezar na igreja matriz desta Vila, sufragando a alma do seu saudoso presidente, senhor Hermenegildo José Solheiro. Desde já agradece. Melgaço, 10/9/1931”. NM 124, de 13/9/1931.
Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 135, de 10/1/1932: “Homenagem: verdadeira, perfeita, significante, foi a de hoje. Inauguração dos Paços do Concelho, discursos, romagem ao cemitério da Vila; tudo o que necessário era para pôr à evidência, altissonante, o mérito de alguém. Que beleza em tudo! Agora, é o valor intrínseco, desse alguém, que é apresentado tal qual o merecia; logo, o respeito que todos os melgacenses, que prezam esse nome, lhe tributaram; finalmente para Hermenegildo (…) Que beleza em tudo! Beleza, porque esta palavra significa o que é belo no seu sentimento, no coração. E houve alguém que não tivesse sentimentos belos na homenagem [que se fez no] cemitério no dia de hoje? Foi um preito de homenagem a HS. // Não é preciso dizer mais nada. O nome deste homem encerra em si o valor do presente que todos devemos e temos obrigação de admirar; e (quiçá?) o futuro, a que igualmente todos nós, os melgacenses, temos obrigação de aspirar. Eis o motivo por que eu digo que foi bela a manifestação de hoje. O concelho de Melgaço sabe corresponder ao respeito que merecia o inesquecível HS, presidente da Câmara Municipal de Melgaço, afluindo na sua maior parte, ao tributo que lhe foi prestado e que representou uma verdadeira apoteose”. Prado, 6/1/1932. J. Ribeiro.
Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 150, de 22/5/1932, um artigo escrito pelo capitão Luís A. de Carvalho, onde se fala de H.J.S.: “Finalizando, diremos ao correspondente a razão por que invocamos e invocaremos o nome do saudoso Solheiro. Era homem de carácter, e pelos factos que vamos contar é que o apreciamos. Dias depois de aqui chegarmos fomos às Águas do Peso. Ali encontramos o Governador Civil e o hoje falecido Solheiro. Cumprimentamos, e como com ambos mantínhamos boas relações pessoais, juntando, às do primeiro, boa camaradagem que tínhamos tido, pedimos melhoramentos para a nossa terra e, ao primeiro, o seu valioso concurso de Magistrado Administrativo. Tempos depois, ainda não conhecíamos o meio, falando com alguém da conversa havida, foi-nos dito: “o Solheiro é impolítico; se tivesse larguezas políticas tinha nomeado o Dr. António Cândido Esteves, e com isto conquistava as amizades políticas deste e da sua família.” Mais adiante, em uma conversa, depreciava-se a acção da sua obra… Dizia-se: “fê-lo devido à situação excepcional, e mesmo assim deixa o povo carregado de impostos e de encargos [sobretudo de juros à CGD] por largos anos… etc.” Pois os autores dos ditos, eram, como presenciamos, alguns bajuladores e que diante dele curvavam a espinha. E ele, sempre altivo, sorridente, deixava-os… e passava adiante, e não vendera o seu carácter por uma nomeação… Entendam-me bem. Por isso, ao ele passar à última jazida, nas nossas sinceras palavras, exteriorizamos o que nos ia na alma.
Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 160, de 7/8/1932: “A Câmara Municipal deste concelho, comemorando o 1.º aniversário da morte do seu saudoso presidente, Hermenegildo José Solheiro, convida todas as pessoas a assistirem a três missas, que no dia vinte e dois do corrente, pelas dez horas oficiais, manda rezar na igreja matriz desta vila. Desde já, agradece”. Melgaço, 5/8/1932.
No Notícias de Melgaço n.º 162, de 28/8/1932, José Augusto Alves diz-nos que já decorreu um ano depois da sua morte: “Com a devida vénia gostosamente transcrevemos do Diário do Minho de 21 do corrente o que se diz acerca deste ilustre melgacense por ocasião do seu 1.º aniversário fúnebre – “Ao galgar, na voragem que passa, a escarpada encosta do tempo, encontrei lá em baixo, no vale do passado, junto dos nossos caros irmãos de além campa, o frio túmulo do saudoso H.S. // As suas cinzas venerandas humecidas ainda pelas lágrimas quentes dos amigos e orvalhadas pelo rocio suavíssimo das preces ferverosas dos crentes, descansam à sombra reconfortante da cruz, em que Cristo agonizou; daquela cruz que é a mais alta cátedra de ensino que o mundo viu e que ainda na sua muda linguagem nos dá as lições eloquentes do maior mestre; daquela cruz, leito augusto do salvador dos homens, lenho sagrado onde se passou a maior e mais emocionante epopeia de amor: daquela cruz que é o símbolo mais perfeito e completo da liberdade, igualdade e fraternidade. // É ali, na região dos mortos, que descansa aquele que foi em vida o maior melgacense dos últimos tempos. Franco, leal, sincero, justo, equitativo, H.S. passou como um meteoro fulgurante, deixando um rasto luminoso a mostrar o caminho que deviam seguir os seus sucessores e a vincar os princípios que os deviam orientar no desempenho da sua missão. // Dificuldades, não deixou. Essas – tantas, e tamanhas que eram – removeu-as ele. Dotado de uma grande força de vontade, de uma coragem insuperável, e de uma dedicação extrema pelo nosso rincão querido, tomou-o carinhosamente nos seus braços e colocou-o na vanguarda do progresso. // Andava embrenhado nesta augusta missão quando a morte o veio [roubar] ao convívio dos seus [parentes] e dos amigos. Intransigente com os princípios, homem de ordem e de caráter, H.S. nunca atendeu pedidos que comprometessem a sua autoridade ou que truncassem os princípios da equidade e da justiça. // A maior das suas aspirações, aspiração palpitante, fascinadora, que bem o pode colocar na vanguarda dos mais intrépidos paladinos que se tem batido por Melgaço, era o engrandecimento de tudo que se ligasse com o interesse da sua terra. – “O meu fim, o meu intento” - escrevia-me ele antes de morrer – “é trabalhar sempre por bem servir a minha terra, removendo por completo a sua face”. E quase a terminar: - “enquanto Melgaço precisar de mim continuarei a servi-lo, a orientar os seus destinos, depois entrego”. Não chegou a entregar. Esgotou-se, e sucumbiu vítima do seu amor, do seu carinho por Melgaço. // Melgaço chorou amargamente a sua morte e vai-a pagando bem caro. // Desfolhando sobre a fria campa de H.S. pétalas de saudade, respeito e veneração, faço votos porque apareçam homens de igual envergadura, de igual nobreza de caráter, firmeza e sinceridade, a continuarem a sua obra, ao mesmo tempo que peço preces pelo seu eterno descanso”. JAA // Comentário: embora Hermenegildo José Solheiro mereça alguns elogios, não se pode exagerar nessa oferta, tendo em conta que ele pouco fez quando havia imenso para fazer no diz respeito a obras públicas. A obra principal realizada pela sua equipa foi sem dúvida o Paço (ou Paços) do Concelho, pois aquele que havia (mais tarde o Solar do Alvarinho) era exíguo e estava ultrapassado no tempo e entalado entre ruas estreitas. Pediu dinheiro emprestado à CGD para esse fim, expropiou um terreno de João Pires Teixeira, e o “palacete” tornou-se uma realidade. Acontece, porém, que legou uma grande dívida aos que lhe sucederam no governo da Câmara Municipal.
A sua viúva finou-se em Galvão, na “Vila Solheiro”, a 20/2/1974, com oitenta e nove anos de idade. // Pai de Armando, de Hermenegildo José, de Manuel, de Carlos, de Marieta, de Clarisse e de Maria Leonor. // A lembrá-lo, há na Vila um Largo e uma Rua com o seu ilustre nome. Quanto a mim, somente o Largo é que devia ostentar o seu nome. Existiram pessoas que desde o século XII fizeram por Melgaço tudo o que estava ao seu alcance, por exemplo José Cândido Gomes de Abreu (a lembrá-lo tem apenas uma pequeníssima rua), e jazem no esquecimento. // O seu dinamismo deve ter surpreendido todos os melgacenses da altura, pois estavam habituados ao marasmo, à doce sonolência, onde tudo se prometia nas campanhas eleitorais, mas logo estas terminadas tudo se esquecia. Ele agiu e obrigou outros a agirem em prol do concelho. O dinheiro era escasso, mas ele recorreu à banca (o primeiro presidente da Câmara em Melgaço a fazê-lo, segundo consta), e a obra surgiu. Era um pragmático, mas se tivesse vivido mais uns anos, talvez entrasse em choque com a política salazarista.”
SOLHEIRO, Manuel José
Informação não tratada arquivisticamente.
Nível de descrição
Documento simples
Código de referência
PT/CMMLG/GCMLG/MLG18/004918
Título
SOLHEIRO, Manuel José
Dimensão e suporte
1 pág.
Âmbito e conteúdo
SOLHEIRO, Manuel José (*). Filho de Hermenegildo Solheiro, emigrante no Brasil, e de Adelaide Joaquina Alves. N.p. de António Bernardo Solheiro e de Maria Joaquina Ribeiro; n.m. de Domingos José Alves e de Maria Caetana Gaioso, moradores na Vila de Melgaço. Nasceu em Galvão a 12/7/1877 (confrontar a data de nascimento de sua irmã, Ermezenda) e foi batizado a 17 desse mês e ano. Padrinhos: Manuel de Jesus Puga e José Cândido Gomes de Albreu, solteiros, comerciantes. // Depois da instrução primária foi arranjar emprego no Porto na área do comércio. // Embarcou para Pará por volta de 1893; no Brasil trabalhou na firma Solheiro & Mota, passando depois a ser sócio da mesma, agora com a designação de Solheiro & C.ª. // Nos inícios de 1916 as firmas comerciais com sede em Pará, “Solheiro & C.ª” e “Silva & Loureiro”, compostas exclusivamente de melgacenses, adquiriram por compra, do [ou ao] Banco de Crédito Popular, o vapor “São Pedro”, destinado à navegação fluvial das Ilhas, a serviço das suas casas aviadoras e de outras que quisessem utilizar o paquete; a inauguração da nova linha teve lugar a 24/1/1916 à noite. // Casou civilmente, na administração do concelho, a 10/7/1912, com Amália Augusta, filha dos proprietários da “Farmácia Araújo”, Domingos Ferreira de Araujo e Amália Correia dos Santos; casaram na igreja de Prado a 11/7/1912. Padrinhos no civil: Júlia Correia dos Santos e Dr. Vitoriano Figueiredo e Castro (noiva); Leolinda Solheiro e Cícero Cândido Solheiro (noivo). No religioso: Amália Ferreira de Araújo e Domingos Ferreira de Araújo (noiva); Sara Solheiro de Oliveira e Hermenegildo José Solheiro (noivo). // Seguiram ambos para o Brasil, chegando a Pará a 10/10/1912, onde ele era comerciante, com a firma “Solheiro & Companhia”. // No dia 3/12/1914 chegaram a Lisboa vindos do Brasil. // A 28/1/1915 a sua esposa deu à luz um nado-morto, o qual foi sepultado no cemitério da Vila; morava no lugar da Serra, Prado. // Em 1916 regressa a Melgaço. // Embarca novamente para Pará a 20/1/1917, chegando ao destino a 11/2/1917. // Ele faleceu em Pará, Brasil, em Fevereiro de 1926. // A sua viúva finou-se em São Paio dos Arcos de Valdevez a 12/7/1969. // Pai de Luís Manuel e de Vasco. // Nota: fora ele quem mandara construir a casa e plantar a vinha junto ao posto da Guarda-Fiscal de Mourentão. /// (*) O Dr. Augusto César Esteves chama-lhe José Manuel e diz que nasceu a 30/5/1877; a sua irmã Ermezenda teria nascido, segundo ele, a 11/6/1877. Seria, portanto, gémeo de Ermezenda, mas com uma diferença de dez dias!
Idioma e escrita
port.
Unidades de descrição relacionadas
(Correio de Melgaço n.º 188, de 27/2/1916), (Correio de Melgaço n.º 6), (Correio de Melgaço n.º 19, de 13/10/1912), (Correio de Melgaço n.º 128, de 8/12/1914), (Correio de Melgaço n.º 135, de 2/2/1915), (Correio de Melgaço n.º 194, de 9/4/1916), (Correio de Melgaço n.º 237, de 18/2/1917), (“O Meu Livro das Gerações Melgacenses”, II volume, p.p. 205 e 206)
Ver também:
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